Sobre preconceitos: feminismo, terrorismo e fundamentalismo

Parece que as redes sociais hoje foram sequestradas pelos trovões de ontem. Elas é o feminismo (que afinal é machismo), é o extremismo e o terrorismo, é o alojamento local... Parece-me que não foi só a trovoada de ontem que descarregou electricidade estática: anda toda a gente com os pólos invertidos.

Trovoada numa montanha. Fonte: pixabay.com (CC0 Public Domain)

A xenofobia é uma coisa tramada. Ontem escrevi aqui que nunca consegui entender as razões evocadas para a intolerância contra os estrangeiros residentes, especialmente cá no Algarve. Continuo a achar que é uma estapafurdice alimentada pela ignorância e pela inveja; Felizmente de uma minoria local, sem expressão. Ora vejamos, nos últimos cinco anos eu senti várias vezes inveja de mães não nascidas em território português que faziam tudo por tudo para ficar com os filhos até aos 3 anos (ou mais) em casa, antes de voltarem ao trabalho. As crianças eram colocadas no infantário ou no jardim de infância em regime de meio-tempo e tudo parecia correr bem, com equilíbrio entre socialização, estimulação e vida familiar. Mas a distância entre o suposto forçar os meninos (delas) a ir para a cama antes das 19h e os nossos filhos ficarem a ver televisão ou irem connosco para o café depois do jantar até às tantas da noite, num ambiente que eu rotularia de "duvidoso", é muito grande. Eu estou muito confortável com as nossas opções de pais onde a mais velha dorme e acorda com as galinhas e a mais nova gosta é dos dias grandes. Confesso que sempre senti alguma inveja das outras mães não nascidas cá que tinham o início da noite por sua conta; E a televisão; E tempo para si, e uma refeição a sós com outro adulto.
Obviamente estes padrões culturais da paternidade migrados do norte da Europa - e que para nós pode realmente fazer alguma confusão já que temos o sol a brilhar tanto tempo - têm consequências directas nas nossas vidas. E que vidas diferentes levamos aqui neste retângulo ao sul! Nós, mães nascidas e criadas em Portugal levamos uma chicotada psicológica porque estamos a voltar ao trabalho ainda a criança não fez um ano e elas mães não nascidas em Portugal, faziam assim no seu país de origem e vão continuar a fazê-lo porque é cultural, tradicional e feminino.

E pronto, passemos ao feminismo, ou cá para mim, ao machismo. Eu e o meu marido somos filhos únicos, mimados até à exaustão e nascidos no início da década de 80 do século passado, criados por mães que cuidaram de nós e da casa, enquanto os maridos "trabalhavam fora". Odiamos tratamentos de roupas, limpezas, pagamentos de contas e idas ao supermercado, em parte até pela observação da vida das nossas mães, que supostamente não faziam "nada" (!), segundo o outro bando de invejosas, que nem sabiam nada sobre o que estavam a invejar. As nossas filhas estão a crescer, nós estamos a caminho dos quarenta, e nem os fins de semana são para dedicar às lidas da casa, nem as obrigações domésticas têm um responsável sempre definido. Não somos portanto gurus da arrumação e da organização, não nos façam grandes perguntas, nem visitas surpresa. Ainda está em negociação a colocação ou não de varões e cortinas nas nossas janelas, e já fez um ano que nos mudámos para esta casa. Não é tarefa minha, nem é responsabilidade dele. Sim, acho um homem com um berbequim uma cena super-sexy... 

e pronto, já perdi o fio à meada. 

Mas acho nojentas aquelas publicidades com os homens em tronco nu. E o raio do youtube está sempre a dar-me daquilo, que nojo.

Quanto ao feminismo/machismo há tarefas domésticas e responsabilidades que como se diz em português do Brasil: "são um saco!" E ninguém as quer fazer nem assumir. Contratar alguém mal pago e sem protecção social para as limpezas domésticas é uma tremenda irresponsabilidade social e um retrocesso civilizacional. Fazer questão que seja "uma senhora" devia dar direito a cadeia, aí estou  a 100% com as feministas. Mas ainda na semana passada lá ouvi eu outro disparate da professora da minha M.: que só podia ter sido o "pai" a tratar do almoço da criança, porque só iam porcarias na lancheira; a história toda é que nem ela avisou com a antecedência devida de que havia passeio com necessidade de almoço, nem eu li a caderneta logo naquela noite. Portanto, momento alto da dita senhora: toca de culpar o pai, "vê-se mesmo que foi um homem que tratou do almoço da sua filha!" (Ai Cristo, dai-me pachorra). A moral da história é que somos todos exímios a sacudir a água do capote. E se a carapuça servir ao cromossoma Y, melhor. Mas afinal alguém gosta de passar a ferro e de arrumar a cozinha, depois de um jantar de quatro pessoas em casa?! 
E a dura realidade é esta: a violência de género de que tanto engalanamos a luta da queima dos soutiens é perpetuada pelas mulheres.
Por favor, mostrem-me que estou errada. 


O terrorismo é uma merda. Um poço sem fundo onde a humanidade se afunda. A ignorância e a intolerância fazem-nos ter medo de quem usa barba ou veste um véu. Eu ainda me lembro de na década de 80 haver ataques terroristas aqui ao lado, e irmos comprar rebuçados a Ayamonte, ou passear a Madrid. E não vale a pena fechar a porta a quem precisa de ajuda. Afinal o terrorista da última bomba em Londres não teve de fazer declarações aos estrangeiros e fronteiras, tinha identidade inglesa. E falar do ataque terrorista no Egipto? Parece que foi um meteorito que caiu em Marte, ninguém deu conta. Pois, eu percebo a cena das crianças... E por causa delas acho que ao deixarmos milhares delas em campos de refugiados no outro lado da Europa não estamos a ser melhores que os grupos de extremínio dos meninos de rua no Brasil, entre 1985 e 1995. Afinal onde começa o terrorismo?...

Faço minhas as palavras de muita coisa que tem circulado nos últimos dias: não podemos ceder ao medo. Mas eu tenho é medo das cidades com militares a circular pelas ruas, de metralhadora às costas, supostamente em defesa das liberdades individuais. Em vez de defendermos o nosso futuro, continuamos a dar mais razão aos incitadores ao discurso do ódio xenófobo e machista e a perpetuar a ignorância. 

Tenho obviamente medo pelo futuro das minhas filhas. Não sou assim tão ingénua.

Isto de sermos pais faz-nos viver os dias com o coração a tentar saltar-nos do peito para fora. Mas há que deixá-los viver, aprender a ser corajosos e a distinguir o bem do mal. É como aprender a nadar: ao não saber nadar há sempre um medo do mar, da piscina, da água per se; ao souber nadar, há um respeito pela envolvente e um conhecimento do meio que nos permite disfrutar e sermos felizes.

Outro ódio de estimação que anda por aí é ao Alojamento Local. Conhecem os números do desemprego antes do AL? E os licenciados, que não tinham trabalho, mas que quais Mínimos tiveram de ficar e arregaçar as mangas, vestindo entre as 10h e as 13h a farda de handy-man e responsável de limpeza e às 14h a de recepcionista, com dicas fabulosas sobre a cidade em Português, Inglês, Alemão, Francês, Italiano e Mandarim? Lembram-se das cidades velhas e dos prédios devolutos? E dos senhorios desesperados, tipo Gru o mal-disposto, para pagar as obras com rendas desactualizadas? Eu sei que os tuc-tucs e as rodinhas dos troleys, juntamente com as festarolas da malta jovem fazem mossa à tia Miquelina, mas as cidades mudaram. E as cidades têm sempre um lado bom e um lado lunar. A televisão aos gritos dos surdos, porcos e mal-criados do primeiro andar tem contrato anual de arrendamento, renovável, com os direitos dos inquilinos protegidos pela lei. O turista vai e vem. E tenta dizer "bom dia". Inveja-nos a luz do sol e o azul do mar. Se a guerra ao Alojamento Local ganhar, creio que os grandes grupos imobiliários vão voltar a dominar tudo; como dominaram o comércio tradicional, que iam quase extinguindo.

Este ódio de estimação ao Alojamento Local só me faz sentir orgulho da terra em que escolhi viver: empresas grandes e pequenas, familiares ou internacionais, de gestão de propriedades, que sempre existiram aqui no Algarve e alimentam uma indústria. E aqui os vizinhos dos apartamentos para turistas preferem dar-lhes as boas vindas do que viver anos a fio em prédios escuros e prestes a ruir, sem viva-alma a habitar os cinco dos seis apartamentos do piso onde vivem.

O ódio e a ignorância são um todo muito feio.





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