O meu coração fica cá: faltam dois dias para aterrar em Maputo

Hoje em dia a conversar com quem me cruzo e por acaso é de lá ou por lá passou, oiço falar de Lourenço Marques como uma cidade que atraiçoou muita gente, aquando da descolonização, em 1975. Cidade que mantém os seus edifícios coloniais e mudou de nome mas principalmente mudou a vida a muitos que de repente ficaram apátridas. Como cidade que lá viu nascer gente que vinha  passar a graciosa a um Portugal escuro e cinzento com o qual não se identificava, mudou de nome, nacionalizou-se e cuspiu para um território minúsculo um bando de gente sem nada, sem sonhos e sem rumo. Essa cidade chama-se Maputo. E é a cidade a que vou chegar dentro de 48 horas.

Nos últimos dias tenho recebido um conselho recorrente: que não me apaixone por aquela terra. A verdade é que sou uma caça-borboletas, seguidora de sonhos e a ver os copos sempre meio-cheios, quando às vezes já estão ressequidos e cheios de pó. Tenho a certeza que o coração me irá bater forte no peito,  porque as histórias que ouvi contar vão finalmente ter um cenário vivo e a cores. Ou talvez não... Sei que o filtro colorido e rico com que irei ouvir contar pela enésima vez  aquela história da piscina dos velhos colonos ou da noite  escura de Tete, com um petromax sentado numa pedra para afastar os leões do bisavô "bem bebido" e inconsciente no mato, terá outro eco no meu coração.

No domingo tive o prazer de ouvir o meu sogro contar também as suas aventuras nas viagens de e para Lourenço Marques, nos finais da década de 60 do século passado. À distância de 50 anos já tem piada falar das vagas  que o navio cortava para aterrar logo a seguir no vazio e os apitos, os coletes vestidos num ZÁS e as filas ordeiras de homens junto aos botes salva-vidas... as mesas com bordas levantadas e o prato da sopa que teimava em fugir da colher. Tenho de tirar muitas fotografias na antiga Pinheiro Chagas (actual avenida Dr. Eduardo Mondlane) com a qual terminou a conversa "se calhar também lhe mudaram o nome"...

A cidade que vou visitar é Maputo do século XXI. A cidade que o turismo também teima em modernizar com os seus bed&breakfast e as excursões citadinas. Estou em pulgas para passear pelo Mercado Municipal ou até mesmo pelo Xipamanine (eu sei que a corajosa da minha mãe me vai lá levar). Vou ver e conhecer quem lá vive agora, no presente. A referência à guerra civil ainda é muito recente e já me foram feitos vários avisos - alguns dos quais vou ignorar mas com algumas medidas preventivas, como o do perigo em visitar o bairro gótico de Barcelona, em 2005. Vou  para sentir, cheirar e ouvir o motivo de tanta paixão por aquela terra. Com a qual os meus pais vivem e lá viverão durante bastante tempo. E que graças a ela, tanta mágoa e sacrifício perdoaram.

Vou, mas deixo cá o meu coração.
Talvez seja a decisão mais sensata, não acham?

Fonte: pixabay.com (CC0 Creative Commons)



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