Novo Abacateiro

Fonte: pixabay.com (CC0 Creative Commons)

Tenho mais um abacateiro. Um caroço tímido e sem graça que a minha mãe me deu em finais de Maio, sem grande esperança, mas que a meio do Verão rebentou. E qual é o nosso espanto que rebentou com três pequeninos abacateirozinhos.
Ainda pensei em brincar nas redes sociais "são trigémeos!", mas controlei-me.

O Verão passou num ápice e não sei como fiquei com um bloqueio de escrita. Ou até sei... Isto de ter dois trabalhos tem muito que se lhe diga e obviamente a temporada alta pregou-nos umas quantas partidas. Tenho uma quase lista mental (ou seja, não tenho lista absolutamente nenhuma) de vários assuntos sobre os quais queria escrever, mas não há pachorra. Nas últimas duas semanas tive a por as ideias em ordem, alinhavar os próximos meses e resoluções e pensei que do início desta semana não podia passar sem voltar ao Abacateiro. 

Mais um ano lectivo se iniciou e a pequena J. já está no primeiro ano. Já disse aqui várias vezes, mas para que não haja dúvidas, tenho muito orgulho das minhas filhas; sempre tive, tenho e nada me fará perdê-lo. Eu sei que a adolescência é tramada, ainda por cima são meninas, portanto estes estrogénios todos pelo ar vão dar que falar e escrever. Mas não vou sofrer por antecipação. Para já, e antes da primeira grande greve de professores, ambas a J. e a ML. estão de parabéns.

Agora um parêntesis... Eu não tenho nenhum ódio de estimação aos professores. Acho que a esmagadora maioria é profissional e competente e faz muitas vezes das tripas coração para lidar com alguns seres humanos, vulgo pais e direcções de escola/agrupamento/qualquer treta regional do ministério. E não faço ideia de como é que chegam ao fim do primeiro período, quanto mais do ano lectivo. Mas por vezes tropeçamos numas aves raras que nos fazem duvidar da capacidade de discernimento dos senhores. E pronto, a professora da J. está na berlinda! Confesso que almejava por melhor para a cachopa, mas temos de nos contentar com o melhor que a senhora irá fazer, pese as actuais circunstâncias nas escolas e do ambiente profissional que se vive nelas.

A J. até agora acha tudo muito fácil. Quando vier a matéria a sério e os testes tiramos as teimas, mas por agora, tudo bem. A ML. arranjou uma actividade extra-curricular que nos vai sair do pelo, três vezes por semana, mas que nos está a deixar bastante esperançosos. A condição para se manter sempre inscrita nela é a escola correr bem. Blablablá, psicologias do desenvolvimento à parte, a chantagem é uma ferramenta muito útil na parentalidade, portanto nem me tentem...

Sim, continuamos à espera dos livros dos vouchers do MEGA.
Whatever...

E a ML. já precisa de um novo compasso. 
Sim, as aulas começaram há uma semana. 
Sem comentários.

Eu não sei o que os outros pais pensam - e até deixei de estar receptiva aos pensamentos dos outros sobre a matéria - mas os desafios que elas vão encontrar num futuro algo próximo são avassaladores. E excitantes. 
Por exemplo, dei por mim a pensar na ruptura que aí vem com os paradigmas do trabalho e das posses materiais entre a geração dos meus pais e a das minhas filhas. Eu sempre tive uma necessidade quase gutural de me sentir ligada ao que se passa à minha volta e de me sintonizar com os sentimentos das outras pessoas. Há quem diga que sou uma pessoa empática e eu até admito que o sou. Ao mesmo tempo aprendi a não atirar para os outros - os "eles" entidade totalmente desprovida de personificação - as culpas dos meus tropeções na vida. Na semana passada tive uma conversa libertadora com uma amiga que me dizia que o poder de viver a nossa vida é extraordinário. É único e poderoso sermos seres sensientes com a capacidade de fazer escolhas e que essas escolhas têm um impacto imenso na nossa própria vida e na dos que nos rodeiam, sem vítimas nem culpados. Com o nível de educação acessível a cada uma destas crianças - e das crianças que o foram comigo - e com o acesso quase universal ao conhecimento e à informação, não há como argumentar face a um problema sem aparente solução à vista "- Mas eu não sabia. ELES não me disseram nada!" 

Ou vão me dizer que os taxistas não sabiam que a UBER mais tarde ou mais cedo ia existir? E também não estão a contar com os carros autónomos, pois não? Pois é: ELES não disseram nada.

Sinto por vezes um misto de nojo e pena das correntes de curas milagrosas e retratos deformados de países e pessoas que me passam pelos feeds das minhas redes sociais e penso "Basta!" Estamos a caminhar a passos largos para uns tempos de pessoas que se apagaram atrás de dois ou três empregos para pagar os créditos contraídos para pagar os créditos. Créditos de tudo: dinheiro (óbvio!), mas também de tempo e de sentimentos. E é tão fácil deixarmo-nos envolver pelos populismos e os falsos salvadores da humanidade... Promessas vãs de vidas melhores, são tão fáceis de vender. 
Mas alguém já parou para pensar no que sabe e pode fazer hoje em dia antes de abrir a boca para dizer que no tempo do Salazar é que era? Ou que como se educava antigamente (reguadas e castigos corporais) é que produzia bons estudantes?! 
A ignorância é a fonte de todos os males. Já os antigos gregos o sabiam. E eu não quero que as minhas filhas Tenham; eu quero que elas Sejam. Quero que elas sejam capazes de viajar, de respeitar e fazer-se respeitar; que sejam felizes, que comuniquem com os outros sem barreiras nem ruídos de terceiros; que sejam sempre curiosas que nunca digam que as cidades são todas iguais ou que despejem preconceitos sobre outras pessoas de outros países ou até mesmo credos; que nunca lhes falte nada essencial como a paz, a segurança (e o wi-fi!). 

Principalmente que não tenham de vender o seu bem mais precioso, o Seu Tempo, por causa de uma promessa de rendimento, a pensar nas férias do ano seguinte. Se quiserem viajar é no agora de então. O desprendimento dos bens materiais não essenciais vem aí, a sociedade de partilha ainda só agora começou e a economia global assente nas experiências e no conhecimento com respeito pelo mundo que nos rodeia já se vislumbra algures já ali... Que excitação!

No meu tempo de faculdade, ouvi vezes sem conta colegas a queixaram-se que "ELES não nos dizem nada". Sempre achei o contrário, eu podia saber sempre tudo, mas tinha a liberdade de ignorar ou não os sinais dos tempos. Ao terminar o curso joguei-me às entrevistas e a um trabalho muito digno e na minha área de estudo. Era muito feliz no que fazia e ainda hoje sou muito agradecida pela oportunidade de continuar a aprender e a crescer. Tinha altos e baixos, como tudo na vida e decidi mudar. Acumulei ainda mais conhecimento académico e da área, porque nunca deixei de procurar aprender. E essa bagagem trouxe comigo até aos dias de hoje. Numa área profissional totalmente diferente, sou igualmente feliz pelas descobertas e pelas relações humanas que crio, todos os dias. Creio que soube adaptar-me, com um grande acidente profissional de percurso, mas tive sempre a teia de relações humanas, carinho e orgulho dos meus pais que me deram força para continuar sempre para frente, mesmo quando pensei que pior não poderia ser. E aprendi a jogar com a flexisegurança a meu favor.  

Eu não quero que as minhas filhas sejam ignorantes da vida de descobertas que podem vir a ter. Tal como o novo abacateiro que dentro de umas semanas, no tempo das sementeiras vai para a terra, quero que os professores plantem nelas e cuidem da curiosidade e do conhecimento, para sempre.

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